O depoimento de Léo Pinheiro foi fundamental para a condenação do ex-presidente. Ele foi usado como base para a denúncia da força-tarefa,
que afirmava que o Grupo OAS, presidido pelo empreiteiro, pagou 87,6
milhões de reais em propinas por contratos com a Petrobras. Um porcento
desse valor, apontou a força-tarefa da Lava Jato, foi destinado a
agentes políticos do PT em uma conta geral de propina que o partido
mantinha com a construtora. Desta conta, afirma, teriam saído 2,42
milhões para o caso do Guarujá, referentes à diferença de valor entre o
triplex e o apartamento tipo que a família de Lula já tinha comprado no
edifício na cota de uma cooperativa e em reformas e bens para o imóvel.
Segundo a reportagem deste domingo, as mensagens dos procuradores vazadas por uma fonte anônima ao Intercept
apontam que os relatos feitos por Léo Pinheiro sofreram várias
alterações até que as negociações para uma delação premiada avançassem.
Inicialmente, a delação de Pinheiro, que já estava condenado há 16 anos
de prisão, foi rejeitada. O depoimento dele não servia para condenar
Lula, já que ele dizia que as reformas e bens colocados no imóvel tinham
o objetivo de agradar o ex-presidente, e não tinham qualquer
contrapartida em benesses no Governo. Na época, a versão foi considerada
pouco crível pelos acusadores da força-tarefa.
Pinheiro, nesta
época, aguardava seu recurso no Tribunal Regional Federal da 4ª Região
(TRF) em liberdade, mas temia perder e ser preso. Os advogados chegaram a
perguntar se, diante da iminência da entrega de novos anexos, seria
possível adiar a audiência de apelação, mas os procuradores disseram que
o acordo com eles não interferia no andamento judicial. Em 20 de abril
de 2016, mensagens dos procuradores revelam este bastidor. Januário
Paludo escreveu: "Acho que tem que prender o Leo Pinheiro. Eles falam
pouco. Quer dizer, acho que tem que deixar o TRF prender."
Em 21
de julho do mesmo ano, o procurador Athayde Ribeiro Costa afirma ao
grupo de procuradores: [os advogados] entregaram os anexos e pediram
assinatura do acordo de confidencialidade. Negamos por insuficiência dos
anexos e omissão de vários temas. A versão apresentada também é ruim
para vários casos." Roberson Pozzobon, então, respondeu: "Na última
reunião dissemos que eles precisariam melhorar consideravelmente os
anexos. Eles falaram que melhorariam e os trariam hoje". O termo de
confidencialidade, passo para a delação, foi assinado em agosto, um dia
antes de a revista Veja trazer detalhes do depoimento de Pinheiro, que
afirmavam que a delação da OAS citava o ministro do Supremo Dias Toffoli.
Com o vazamento, alguns procuradores chegaram a defender que o acordo
com Léo Pinheiro fosse suspenso, para evitar atritos com o STF.
Em 20 de agosto, o coordenador da força-tarefa Deltan Dallagnol
se manifestou: "Não sei se os anexos evoluíram. Se estiverem uma
porcaria ainda, aí tudo bem. Mas se os anexos estiverem bons, acho que
não é o caso. Salvo engano, ainda, trazem PSDB como nenhum que fechamos
trouxe. Até fecharmos algo bom do PSDB, não dá pra descartar." A
procuradora Anna Carolina Resende Maia Garcia respondeu:" Essa manobra
deles pode nos custar muito caro. O STF vai se fechar e vão acabar com
nossos acordos. Não acho que o risco valha a pena. Temos que sinalizar
claramente que não vamos ser usados." Depois, continuou: "Os anexos da
OAS não valem isso. Na minha visão, são muito ruins, o advogado [da
empresa] é mal caráter e Léo Pinheiro é o empreiteiro com mais prova
contra si."
Uma semana depois, conta a Folha, a Veja
publicou trechos de sete anexos da delação de Pinheiro e afirmou que a
OAS revelara a existência de uma conta secreta para realizar pagamentos a
Lula. Em 26 de agosto de 2016, a procuradora Anna Carolina, então,
pergunta ao grupo: "Tinha isso de conta clandestina de Lula?". O
procurador Sérgio Bruno responde: "Sobre o Lula eles não queriam trazer
nem o apartamento do Guarujá. Diziam q não tinha crime. Nunca falaram de
conta." A existência de uma conta foi essencial para que o caso não
apenas ganhasse força, maspara que fosse mantido com a força-tarefa de
Curitiba. Era essa conta, onde eram depositado dinheiro ilícito de
corrupção, que ligava o caso do triplex do Guarujá à Petrobras, tema da investigação da força-tarefa.
O empreiteiro, diz a Folha,
foi tratado com desconfiança pela Lava Jato durante quase todo o tempo
em que se dispôs a colaborar com as investigações. A versão do
empresário só ganhou crédito quando a narrativa sobre o triplex do
Guarujá mudou. Léo Pinheiro acabou preso em setembro de 2016 e as
negociações sobre a delação ficaram paradas até 2017. A
procuradoria-Geral da República e a força-tarefa de Curitiba só
aceitaram retomar as negociações de uma possível delação premiada em
março de 2017, quando o processo aberto para examinar o caso do tríplex
estava se aproximando do fim e Léo Pinheiro se preparava para ser
interrogado por Moro.
A versão que incriminou Lula foi apresentada
apenas em abril de 2017, mais de um ano depois do início das
negociações. Foi quando Pinheiro afirmou, em uma audiência com Moro em
Curitiba, que havia a tal conta de propina para o PT, de onde, segundo o
ele, saíra o dinheiro para a reforma do triplex. Foi também em 24 de
abril de 2017 que ele afirmou que Lula o havia orientado a destruir
provas de sua relação com o partido após o início da Lava Jato.
Em 13 de julho de 2017, o coordenador da força-tarefa, Deltan Dallagnol, mostrou preocupação em relação ao timing
do acordo. "Caros, acordo do OAS, é um ponto pensar no timing do acordo
com o Léo Pinheiro. Não pode parecer um prêmio pela condenação do
Lula". Em 3 de agosto daquele mesmo ano, a procuradora Jerusa Viecili
ressaltou que a versão da empresa foi "desleal". "Houve ordem para
destruição das provas. Nisso a empresa foi desleal, pois nunca houve
afirmação sobre isso. Salvo quando Leo falou no interrogatório sobre
destruição de provas, não houve menção a este assunto."
O acordo
de delação premiada acabou se arrastando e foi fechado no fim de 2018.
Mas até hoje a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, não o
encaminhou para a homologação do STF e Pinheiro continua preso.
Defesa de Lula
A
mudança nas versões dadas por Leo Pinheiro eram alvo de críticas da
defesa de Lula desde quando a delação foi firmada. "O Léo [Pinheiro],
que estava preso aqui e fez a denúncia contra mim, passou três anos
dizendo uma coisa e depois mudou o discurso. Meu advogado perguntou o
porquê disso e ele disse ‘meu advogado me orientou’. E o que ele falou:
‘Lula sabia", afirmou o ex-presidente em entrevista ao EL PAÍS Brasil e à Folha, em abril deste ano.
À
Folha, a força-tarefa da Lava Jato afirmou que o material apresentado
pela reportagem não permite constatar o contexto e a veracidade do
conteúdo.“A Lava Jato é sustentada com base em provas robustas e em
denúncias consistentes. O trabalho da força-tarefa foi analisado e
validado por diferentes instâncias do Judiciário, de modo imparcial e
independente”, ressaltou uma nota do órgão, publicada pelo jornal.
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