FOTO/ Fabio Rodrigues / Agência Brasil |
O presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, vai interpelar Jair Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal para esclarecimentos sobre as informações que diz ter a respeito da morte de seu pai, desaparecido na ditadura militar.
Bolsonaro disse nesta segunda-feira: "Se o presidente da OAB quiser saber como o pai desapareceu no período militar eu conto para ele". Em reação, a OAB divulgou uma nota de repúdio, e o Santa Cruz afirmou afirmou haver 'crueldade e falta de empatia' nas declarações do presidente. "É de se estranhar tal comportamento em um homem que se diz cristão".
Na tarde desta segunda, 29, Jair Bolsonaro voltou a se pronunciar. Ele
disse que Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira, pai do presidente da
Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), foi morto pelos correligionários
que combatiam a ditadura a fim de evitar o vazamento de informações
confidenciais. "Eles resolveram sumir com o pai do Santa Cruz",
afirmou. "Não foram os militares que mataram ele não, tá? É muito fácil
culpar os militares por tudo que acontece."
Entenda o caso
Felipe é filho de Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira,
integrante do grupo Ação Popular (AP), organização contrária ao regime
militar. Ele foi preso pelo governo em 1974 e nunca mais foi
visto. "Conto pra ele. Não é minha versão. É que a minha vivência me fez
chegar nas conclusões naquele momento. O pai dele integrou a Ação
Popular, o grupo mais sanguinário e violento da guerrilha lá de
Pernambuco e veio desaparecer no Rio de Janeiro", disse Bolsonaro em
coletiva de imprensa.
O Estadão Verifica mostrou que o pai de Felipe Santa Cruz, segundo depoimento à Agência Brasil de um de seus irmãos, João Artur, não era ligado à luta armada. Outros membros de destaque da AP incluem o ativista Herbert de Souza, o Betinho, e o ex-senador José Serra.
O livro-relatório Direito à Verdade e à Justiça destaca que um documento do então Ministério da Aeronáutica informou, em 1978, que Fernando Santa Cruz tinha
desaparecido. Informações de perseguidos políticos ressaltaram que o
desaparecimento ocorreu em 22 de fevereiro de 1974 e ele teria sido
morto pelo DOI-CODI do Rio de Janeiro.
Bolsonaro questionou a atuação da OAB ao falar das investigações sobre Adélio Bispo,
responsável pela facada contra o presidente no ano passado, durante a
campanha eleitoral. Adélio foi considerado inimputável pela Justiça por
transtorno mental. O presidente não recorreu.
"Por que a OAB impediu que a Polícia Federal entrasse no telefone de um dos caríssimos advogados (de Adélio)? Qual a intenção da OAB? Quem é essa OAB?", disse Bolsonaro. O Estadão Verifica também mostrou que é falsa a informação de que o sigilo telefônico de Adélio Bispo é protegido pela OAB.
A informação falsa confunde o processo do acusado com outra ação
envolvendo seu advogado, Zanone Manuel de Oliveira. O boato foi
publicado no início do mês no Facebook.
Sobre o fato de não ter
recorrido no processo da facada, Bolsonaro disse que "Adélio se deu
mal". "Se eu recorresse, ele seria julgado não por homicídio, mas
tentativa de homicídio, em um ano e meio ou dois estaria na rua. Como
não recorri, agora é maluco o resto da vida. Vai ficar num manicômio
judicial é uma prisão perpétua. Já fiquei sabendo que está aloprando por
lá. Abre a boca, pô", declarou.
Em junho, a Ordem dos Advogados do Brasil já havia se manifestado sobre fala semelhante do presidente contra a instituição. "Para que serve essa OAB?", disse Bolsonaro, citando o boato a
respeito de Adélio. "O presidente repete uma informação falsa, que
inúmeras vezes já foi desmentida, de que o sigilo telefônico de Adélio
Bispo é protegido pela OAB", diz a nota, assinada por Felipe Santa Cruz.
Em
2011, ainda como deputado federal, Bolsonaro afirmou em palestra na
Universidade Federal Fluminense (UFF) que Fernando Santa Cruz, pai do
agora presidente da OAB, teria morrido "bêbado" após pular o carnaval.
À
frente da OAB-Rio, Felipe iniciou movimento em 2016 para pedir ao
Supremo Tribunal Federal a cassação do mandato de deputado federal de
Jair Bolsonaro por "apologia à tortura ". Ao votar pelo impeachment de
Dilma Rousseff, o então parlamentar fez uma homenagem a Carlos Brilhante
Ustra, que comandou o Doi-Codi de São Paulo, centro de tortura durante a
ditadura.
Após a declaração, a Anistia Internacional emitiu uma nota de repúdio (leia abaixo)em que defende que comentários como este sejam levados à Justiça.
ANISTIA INTERNACIONAL REPUDIA
A Anistia Internacional divulgou
uma nota de repúdio aos comentários do presidente sobre Fernando Santa
Cruz e pediu que o caso seja levado à Justiça. "É terrível que o filho
de um desaparecido pelo Regime Militar tenha que ouvir do presidente do
Brasil, que deveria ser o defensor máximo do respeito e da justiça no
país, declarações tão duras", afirmou a diretora-executiva da Anistia no
Brasil, Jurema Werneck.
"O Brasil deve assumir sua
responsabilidade, e adotar todas as medidas necessárias para que casos
como esses sejam levados à justiça. O direito à memória, justiça,
verdade e reparação das vitimas, sobreviventes e suas famílias deve ser
defendido e promovido pelo Estado Brasileiro e seus representantes".
Em nota, a Anistia informou ainda que defende a revogação da Lei de Anistia, de
1979, "eliminando os dispositivos que impedem a investigação e a sanção
de graves violações de direitos humanos, a investigação e
responsabilização dos crimes contra a humanidade cometidos por agentes
do Estado durante o regime militar".
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