Em entrevista ao Estado, o ministro Mendonça Filho
criticou a administração de parte das federais e disse que o governo
Dilma promoveu um crescimento irresponsável dos gastos em ano eleitoral,
chamado por ele de “orgia orçamentária”, o que comprometeu o futuro das
instituições federais. Leia a íntegra da entrevista:
Comparando os orçamentos, há queda expressiva tanto no custeio quanto no investimento entre 2014 e 2017.
Acho
essa comparação indevida. Você está fazendo uma comparação que
tecnicamente não é adequada. Eu quero saber de execução orçamentária. Em
2015, a (ex-presidente) Dilma tinha cortado R$ 11 bilhões do
orçamento e, no início de 2016, cortou R$ 6,4 bilhões. Eu assumi em
maio de 2016 e, poucos dias depois, do total de R$ 6,4 bilhões, o
presidente Michel Temer restabeleceu R$ 4,7 bilhões. Como você sabe,
orçamento é autorização para gasto. Tem um quê de malícia nesse tipo de
interpretação, não condiz com a realidade. Eu peguei o MEC com 700
obras paradas. Mais de R$ 4 bilhões. Todas elas foram retomadas. O
orçamento deste ano, nós já liberamos 65%. No ano passado, fazia dois
anos que não se executava 100% do custeio e nós executamos.
Até o final do ano será disponibilizado 100% do custeio?
Esse
é meu objetivo. No mínimo 85% a 90%. Acho que é perfeitamente possível
atingir 100%, mas não depende só de mim. Em 2014 e 2015 não se executou
100% do orçamento. A última vez que se executou foi em 2013, salvo
engano. Investimento foi entre 60% e 65%. As universidades todas, que
são bem geridas, em sua maioria, estão adimplentes. Tinha instituição
que estava atrasando até pagamento de vigilância.
Mas qual
é a diferença real entre 2014 e hoje? Todos os representantes de
universidades federais que entrevistamos estão dizendo que precisaram
fazer cortes nos contratos com terceirizados.
Me
desculpe, mas 2014 foi um ano de farra eleitoral da Dilma, que deixou o
Brasil quebrado. Foi uma orgia. Foi uma orgia orçamentária para ganhar
eleição. Tanto é que o Fies (programa federal de financiamento estudantil)
saiu de 300 mil contratos para 700 mil. Tudo foi pautado a partir da
eleição. Uma orgia orçamentária da Dilma. Veja 2013, veja 2012, compare
com a execução orçamentária deste ano. Não tem cabimento. Os reitores
todos têm consciência de que peguei o ministério com 700 obras paradas,
praticamente todas.
E hoje não há nenhuma parada?
Não
sei. Se tiver alguma, é por problema burocrático, falta de priorização
do reitor. Há obras que são absurdamente superdimensionadas. Tem uma
obra na Unila (Universidade Federal da Integração Latino-Americana)
de quase R$ 1 bilhão. Tenho de racionalizar. Mas agora mesmo, no Mato
Grosso do Sul, inaugurei R$ 10 milhões em obras. Já avançamos em obras
na Universidade Federal de Sergipe, Tocantins, Vale do São Francisco, do
Piauí, Manaus, que concluímos um Hospital Universitário. Estamos
avançando nas obras de Porto Alegre, obras que estavam paradas em Santa
Catarina.
Então é só uma disposição política de os reitores criticarem a sua gestão?
Discordo
dos posicionamentos deles. Demonstro claramente que descontingenciamos
R$ 4,7 bilhões. Executamos 100% do custeio no ano passado e já
disponibilizamos, em oito meses, 65% do orçamento.
Houve um atropelo nesse crescimento das universidades federais nos últimos anos?
Há
muita coisa mal planejada, falta de planejamento. Mas tem universidade
que investiu dentro do planejamento adequado. Eu tenho consciência e
noção da importância da rede, mas ela deve se expandir dentro de um
planejamento mínimo, de racionalidade. Estamos adequando a Secretaria de
Ensino Superior para ter um acompanhamento melhor das obras em execução
e o planejamento. Nem sequer o Simec, que é o sistema de obras do MEC,
era atualizado.
É preciso por um pé no freio e reduzir a expansão das federais diante da crise?
A
prioridade atual é consolidar aquilo que foi planejado e está em
execução. Eu não posso querer ampliar o problema herdado, que é enorme.
Retomamos a maioria das obras paradas, atendendo prioridade dos próprios
reitores. E outra coisa. Tenho o maior respeito pela educação superior,
mas sou ministro da Educação. Eu tenho que cuidar da alfabetização, da
educação infantil, do ensino fundamental, do ensino médio. Até para que
crianças e jovens possam sonhar e chegar à universidade. Se não houver
uma evolução na educação básica, isso não vai acontecer. No final do
governo FHC o orçamento do MEC era meio a meio, metade ensino superior e
metade educação básica. No final do governo Dilma, era 60% educação
superior e 40% educação básica.
E como o sr. pretende equacionar isso?
Não
dá para equacionar uma situação criada em 13 anos em um ano e meio. A
educação superior tem que ser preservada, mas deve haver investimento
forte na educação básica. Se não, não teremos mais jovens entrando no
ensino superior. Há uma meta do Plano Nacional de Educação que fixa 33%
dos jovens, entre 18 e 24 anos, chegando à universidade, cursando ensino
superior. Mas isso só pode ser alcançado se ele tiver educação básica
de qualidade. Se não diminuir a evasão do nível médio, com um quadro
caótico de quase 2 milhões de jovens fora do ensino médio.
O problema de auxílio moradia para alunos carentes preocupa as universidades, não só federais, como também estaduais, como a USP. De que forma o MEC poderia ajudá-las?
O problema de auxílio moradia para alunos carentes preocupa as universidades, não só federais, como também estaduais, como a USP. De que forma o MEC poderia ajudá-las?
Não temos condição de
estender ajuda à USP, senão teríamos de fazer para todas as
universidades estaduais do Brasil. E eu não posso prometer isso. Nosso
programa anual de assistência estudantil é da ordem de R$ 1,5 bilhão. É
um programa já robusto. E tem de ser criterioso, para atender,
sobretudo, os mais pobres.
Mas há hoje uma demanda grande
represada nas federais, segundo os reitores. Muitos alunos que não
conseguem a bolsa, ainda mais diante da aprovação das cotas desde a lei
de 2012.
O que há é um critério estabelecido por
universidade. Cada uma estabelece o seu. Acho que falta um programa mais
homogêneo e que privilegie os mais pobres. Mas é algo que tem de ser
discutido com os reitores. A peculiaridade local necessariamente não
enfatiza uma maior atenção para os mais pobres.
Mas o que resolve essa equação de ter mais alunos precisando de bolsas do que recursos para oferecer?
Não
sei. Eu não posso falar sobre algo que não tenho o diagnóstico
completo. Um curso universitário gratuito em uma universidade federal já
é um benefício muito grande do Estado brasileiro.
Mas muitos alunos chegam lá e não conseguem fazer o curso…
Dificilmente
isso acontece. Sinceramente, o mais sacrificado é esse pessoal que
trabalha durante o dia e estuda à noite em uma faculdade particular.
Esse é o estudante mais sacrificado do Brasil. Muitas vezes vindo de
família pobre. Não estou desmerecendo os pobres que ficam nas federais,
mas apenas dimensionando que o problema tem que ser considerado de forma
mais ampla e sistêmica.
Mas o sr. acha que esse aluno da federal não tem o mesmo problema? Não é igual?
Me desculpe, mas não é igual. O outro (de universidade particular) paga transporte, alimentação e paga a faculdade.
Em meio à crise, o sr. defende a cobrança de mensalidade nas federais?
É
uma discussão que deve ficar para o próximo governo e passa por uma
reforma universitária mais profunda. Não tem espaço agora. Final de
governo, passando por uma situação política muito conturbada. Há ideias
interessantes, como pagamento de estacionamento por estudantes que têm
carro, e fundo patrimonial, que é muito utilizado nos EUA. Mas como sou
ministro, toda opinião pessoal minha tem um caráter de interpretação
política muito forte. Então o melhor que eu faço é projetar esse debate
para o futuro, para o próximo governo. Mas será inevitável, até porque o
mundo todo evoluiu a discussão.
O que exatamente será inevitável? O pagamento de mensalidade?
A
discussão, o debate sobre a reforma universitária. Mas como vai se dar,
não entro nesse debate, porque seria inadequado em um momento de final
de gestão, momento delicado na vida política brasileira. O modelo
universitário tem que ficar cada vez mais flexível, e vai ser um debate
no futuro.
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