O Horário de Verão começa à 0h deste
domingo (15), e os relógios deverão ser adiantados em uma hora para se
adequar à medida. A mudança vai valer até o dia 18 de fevereiro de 2018.
É possível que esta seja a última vez que o Horário de Verão seja
adotado no Brasil. Isso porque autoridades do setor elétrico constataram
mudanças nos hábitos de consumo de energia dos brasileiros. De acordo
com o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), o que mais tem
influenciado o horário de pico do consumo de energia não é mais a
incidência de luz solar, e sim a temperatura.
Este ano, o Horário de Verão valerá para
as regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Nos estados do Norte e do
Nordeste não haverá mudança nos relógios
A justificativa para a adoção da medida
ano após ano é o aproveitamento do maior período de luz solar para
economizar energia elétrica. Em 2013, o país economizou R$ 405 milhões,
ou 2.565 megawatts (MW), com a adoção do Horário de Verão. No ano
seguinte, essa economia baixou para R$ 278 milhões (2.035 MW) e, em 2015
caiu ainda mais, para R$ 162 milhões. Em 2016, o valor economizado com
Horário de Verão baixou novamente, para R,5 milhões.
Segundo o ONS, a redução na economia de
energia com o Horário de Verão tem a ver com uma mudança no perfil e na
composição da carga elétrica no país. Se antes o que determinava o
horário de pico do consumo de energia era a incidência da luz solar,
hoje é a temperatura. Com isso, o pico de consumo passou a ser entre 14h
e 15h e não mais entre 17h e 20h.
Segundo o coordenador da Área de
Regulação do Grupo de Estudos do Setor Elétrico da Universidade Federal
do Rio de Janeiro (Gesel-UFRJ), Roberto Brandão, a mudança no perfil de
consumo de energia também está relacionada ao uso de aparelhos de
ar-condicionado, que costumam ser ligados nos horários mais quentes do
dia; e, por outro lado, à substituição de lâmpadas incandescentes por
modelos mais econômicos, o que reduz o gasto de energia com iluminação.
Por causa do ar-condicionado, o verão
pode inclusive levar a um aumento na conta de luz dos consumidores,
segundo o professor Reinaldo Castro Souza, do Departamento de Engenharia
Industrial do Centro Técnico Científico da Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro (CTC/PUC Rio). Um aparelho de ar-condicionado
de mil watts de potência, por exemplo, se for ligado oito horas por
dia, resulta em cerca de R$ 160 na fatura mensal, em média. Se o uso se
estender para 16 horas por dia, o valor dobra, de acordo com o
especialista.
Reavaliação
Em agosto, o Comitê de Monitoramento do
Setor Elétrico (CMSE), o ONS e o Ministério de Minas e Energia chegaram à
conclusão que, por causa dessa mudança de perfil de consumo de energia,
a adoção do Horário de Verão atualmente “traz resultados próximos à
neutralidade para o consumidor brasileiro de energia elétrica, tanto em
relação à economia de energia, quanto para a redução da demanda máxima
do sistema”.
Apesar da indicação, o governo decidir
manter o Horário de Verão este ano, mas para o período 2017/2018 a
medida será reavaliada.
Relógio biológico
Se por um lado boa parte da população se
incomoda com as alterações que o Horário de Verão causa na rotina, por
outro há muita gente que prefere chegar em casa ainda com a luz do dia.
Gostando ou não da mudança, uma coisa é certa: ao alterar a rotina – em
especial a hora de acordar e de dormir – o Horário de Verão mexe com o
ritmo fisiológico de boa parte da população.
Professor de fisiologia do exercício da
Faculdade de Educação Física da Universidade de Brasília (UnB),
Guilherme Molina explica que o ritmo fisiológico de todo ser vivo é
regido basicamente pelas influências ambientais, em um contexto que
envolve também o tempo de vigília e de não vigília (quando se está
acordado ou dormindo), considerando a influência do sol no nosso
organismo.
Alterações nesse sistema podem
representar risco principalmente para quem precisa dirigir logo depois
de acordar e para profissionais como cirurgiões ou técnicos que
manipulam equipamentos que envolvem engrenagens, eletricidade ou risco
de vida. “Mudar o relógio requer uma adaptação do organismo. Nesse
sentido, qualquer alteração tem impacto importante na reprogramação de
nossas funções biológicas, o que inclui também questões hormonais”,
disse Molina.
Segundo o professor, o que nos faz
acordar é o pico de produção de um hormônio chamado cortizol, que
costuma atuar logo cedo, entre 6h e 8 h. Ao modificar o horário, o pico
do cortizol sofre alteração. “A sensação que resulta disso é similar à
do jet lag, quando uma pessoa tem de se adaptar a um novo fuso horário
após fazer uma viagem de longa distância”, comparou.
“Nos primeiros dias, em geral de cinco a
sete dias, as pessoas terão dificuldade de acordar plenamente. E quando
acordarem ficarão mais lentas e menos atentas. Com isso pode haver
lapsos de atenção e pode aumentar o risco em situações como as que
ocorrem no trânsito”, explicou o especialista. “Eu mesmo já fu vítima
disso. Acordei sonolento e, ao sair de carro, não olhei para o lado e
acabei sendo acertado por outro veículo”.
De acordo com Molina, nem todo mundo
consegue se adaptar facilmente ao Horário de Verão. “Tem pessoas que
simplesmente não funcionam bem ao mudar de horário. Elas ficam
irritadas, agressivas, sonolentas, letárgicas, cansadas. Há inclusive
pessoas que sentem fraqueza física. Isso gera mais dificuldades, por
exemplo, para quem gosta de malhar de manhã”.
Essas dificuldades, segundo o
especialista, em parte se explicam pela maior dificuldade em se atingir o
sono reparador – etapa do sono na qual ocorre o fenômeno chamado Rapid
Eyes Moviment (REM). Para amenizar os efeitos dessa adaptação ao novo
horário, Molina sugere que a pessoa adote estratégia similar à dos
pilotos de Fórmula 1, de forma a facilitar a reprogramação biológica por
meio de uma adaptação prévia do horário de sono.
“Os pilotos da F1 viajam o mundo inteiro
para participar de corridas. Par evitar os efeitos de jet lag, eles
modificam seu sono a depender do local para onde se deslocarão. Dessa
forma eles chegam no local de destino, onde competirão, com seu
organismo mais preparado, não sofrendo tanto com a mudança de fuso. A
ideia é se adaptar à rotina de sono para a condição posterior. Quem se
condiciona previamente sofre menos do que quem entra no horário de verão
a toque de caixa”, acrescentou o fisiologista.
O Horário de Verão pode também, segundo
Molina, proporcionar algumas mudanças de hábito positivas. “Ao
possibilitar que cheguemos mais cedo em casa, o Horário de Verão permite
que aproveitemos melhor o dia, inclusive para fazermos atividades
físicas. Por que não aproveitar o dia para mudar de hábito e praticar
alguma atividade física? Há mais tempo para irmos a parques, fazermos
caminhadas”, sugeriu.
Opiniões divergentes
Profissional autônomo na área de
serviços gerais, Paulo Victor Gonçalves diz que gosta do Horário de
Verão porque “o dia acaba mais cedo” e, com isso, ele tem mais tempo
para se dedicar à plantação de pimenta que tem em casa, para
complementar a renda. “Fica mais produtivo trabalhar na pimenteira com
mais tempo de luz solar.”
Outra vantagem citada por Gonçalves é o
tempo a mais que tem para cuidar da filha Isadora, de 1 ano e 8 meses.
“Minha esposa fica muito sobrecarregada porque nessa fase o bebê requer
muita atenção. Como chego mais cedo, tenho mais tempo e condições para
ficar com a bebê e dar um descanso a ela”.
Para a rotina do recepcionista de hotel
Ourivaldo Maia Targino, o Horário de Verão não faz tanta diferença. Ele,
no entanto, diz que ouve dos hóspedes muitas reclamações sobre a
mudança. “Entro às 19h e saio às 7h do dia seguinte. Como meus filhos já
são adultos, não há mais a vantagem que havia antes, no sentido de ter
mais tempo para conviver com eles. Mas noto que a maioria das pessoas
não gosta”, disse, citando a própria esposa como exemplo.
“Ela tem de entrar às 7h no trabalho.
Não gosta da mudança porque tem de acordar às 5h30. Ainda está escuro
quando ela sai.” Durante a fase de adaptação, Targino diz que é comum
que ela chegue atrasada no trabalho, o que incomoda o chefe. “A
impressão que dá é que as pessoas fazem muito sacrifício para pouca
economia com a conta de luz”, pondera.
Funcionária de uma empresa que faz
limpeza pública, Maria Lima diz que o tempo a mais de luz diurna do
Horário de Verão a permite fazer, em casa, o que faz diariamente nas
ruas da capital federal. “Passo o dia limpando as ruas, mas nem sempre
tenho tempo para fazer a limpeza lá de casa”, diz ela, com vassoura e pá
em mãos para limpar, diariamente, cerca de 4 quilômetros quadrados em
uma região no centro de Brasília.
Empregado de uma empresa de construção
civil, Wenderson Rosa sai de casa às 5h30 para trabalhar e diz não
gostar nada do Horário de Verão. “Saio mais cedo, mas o serviço não
rende tanto. Acaba que tudo fica mais corrido porque tenho de parar uma
hora mais cedo.”
“Além do mais não vejo essa história de
economia de energia. Muito pelo contrário. Como ainda está escuro quando
saio, acabo tendo de acender as luzes lá de casa”, acrescentou.
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