O Globo
Por Fernando Henrique Cardoso
A crer nas pesquisas de opinião, os
políticos mais cotados para vencer as eleições em 2018 mais se parecem a
um repeteco do que inovação
Quando ainda estava na Presidência, eu
dizia que o Brasil precisava ter rumos e tratava de apontá-los. Nesta
quadra tormentosa do mundo, cheia de dificuldades internas, sente-se a
falta que faz ver os rumos que tomaremos.
Com o fim da Guerra Fria, simbolizado
pela queda do Muro de Berlim em 1989, se tornou visível o predomínio dos
Estados Unidos. Desde antes do final da Guerra Fria, por paradoxal que
pareça, em pleno governo Nixon — do qual Henry Kissinger era o grande
estrategista — começou uma aproximação do mundo ocidental com a China.
Com a morte de Mao Tse Tung e a ascensão de Deng Xiaoping, os chineses
puseram-se a introduzir reformas econômicas. Iniciaram assim, ao final
dos anos 1970, um período de extraordinário crescimento.
A partir da virada do século passado, o
peso cada vez maior da China na economia global tornou-se evidente. No
plano geopolítico, porém, os chineses buscaram deliberadamente uma
ascensão pacífica, escapando à “armadilha de Tucídides” (a de que haverá
guerra sempre que uma nova potência tentar deslocar a dominante).
Enquanto a China não mostrava todo seu
potencial econômico e político, tinha-se a impressão de que o mundo
havia encontrado um equilíbrio duradouro, sob a Pax Americana.
A Europa se integrava, os Estados Unidos
e boa parte da América Latina se beneficiavam do comércio com a China, e
a África, aos poucos, passava a consolidar a formação de seus estados
nacionais. As antigas superpotências, Alemanha e Japão, desde o fim da
Segunda Guerra Mundial haviam adotado a “visão democrático-ocidental”.
No início do século XXI, apenas a antiga
União Soviética, transmutada em República Russa, ainda era objeto de
receios militares por parte das alianças entre os países que formaram a
OTAN. Como ponto de inquietação restava o mundo árabe-muçulmano.
Na atualidade, o quadro internacional é
bem diferente. Com a “diplomacia” adotada por Trump, a Coreia do Norte
desenvolvendo armas atômicas, as novas ambições da Rússia, as tensões
nos mares de China e o terrorismo, há temores sobre o que virá pela
frente.
Os japoneses veem mísseis atômicos
coreanos passar sobre suas cabeças, os chineses se fazem de adormecidos,
o Reino Unido sai da União Europeia, os russos abocanham a Crimeia e os
americanos vão esquecendo o Acordo Transpacífico (TPP ou
Trans-Pacific Partnership Agreement), abrindo espaço à expansão da
influência dos chineses na Ásia e deixando perplexos os sul-americanos
que faziam apostas no TPP. Também perplexos estão os mexicanos,
ameaçados pela dissolução do Nafta, outro dos alvos de Trump.
A inquietação americana pode aumentar
pelas consequências da política chinesa de construir uma nova rota da
seda, ligando a China à Europa através da Ásia e do Oriente Médio, bem
como pela aproximação entre Pequim e Moscou.
É neste quadro oscilante que o Brasil
precisa definir seus rumos. Toda vez que existem fraturas entre os
grandes do mundo se abrem brechas para as “potências emergentes”.
Há oportunidades para exercermos um
papel político e há caminhos econômicos que se abrem. Não estamos atados
a alianças automáticas e, a despeito de nossas crises políticas, erros e
dificuldades, estamos em um patamar econômico mais elevado do que no
tempo da Guerra Fria: criamos uma agricultura moderna, somos o país mais
industrializado da América Latina e avançamos nos setores modernos de
serviços, especialmente nos de comunicação e nos financeiros. Podemos
pesar no mundo sem arrogância, reforçando as relações políticas e
econômicas com nossos vizinhos e demais parceiros latino-americanos.
Entretanto, nossas desigualdades
gritantes são como pés de chumbo para a formação de uma sociedade
decente, condição para o exercício de qualquer liderança. As carências
na oferta de emprego, saúde, educação, moradia e segurança pública ainda
são obstáculos a superar.
Pelo que já fizemos, pelo muito que
falta fazer e pelas oportunidades que existem, há certa angústia nas
pessoas. A confusão política, o descrédito de lideranças e partidos se
expressa na falta de rumos.
A opinião pública apoia os esforços de
moralização simbolizados pela Lava-Jato, mas quer mais. Quer soluções
para as questões sociais básicas, e também para os desafios da política,
que precisam ser superados, caso contrário, o crescimento da economia
continuará baixo e a situação social se tornará insustentável.
O Congresso, por fim, aprovou uma “lei
de barreira” e o fim das coligações nas eleições proporcionais. Foram
passos tímidos, na forma como aprovados, mas importantes para o futuro,
pois levarão à redução do número de partidos, com o que se poderá obter
maior governabilidade e talvez menos corrupção.
Entretanto, quem são os líderes com a lanterna na proa e não na popa?
A crer nas pesquisas de opinião, os
políticos mais cotados para vencer as eleições em 2018 mais se parecem a
um repeteco do que inovação, embora haja entre alguns que estão na
rabeira das pesquisas quem possa ter posições mais condizentes com o
momento. E boas novidades podem emergir.
Alguns dos que estão à frente ainda
insistem em suas glórias passadas para que nos esqueçamos de seus
tormentos recentes, e pouco dizem sobre como farão para alcançar no
futuro os objetivos que eventualmente venham a propor.
Se não organizarmos rapidamente um polo
democrático (contra a direita política que mostra suas garras), que não
insista em “utopias regressivas” (como faz boa parte das esquerdas), que
entenda que o mundo contemporâneo tem base técnico-científica em
crescimento exponencial e exige, portanto, educação de qualidade, que
seja popular e não populista, que fale de forma simples e direta dos
assuntos da vida cotidiana das pessoas, corremos o risco de ver no poder
quem dele não sabe fazer uso ou o faz para proveito próprio. E nos
arriscamos a perder as oportunidades que a História nos está abrindo
para ter rumo definido.
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