As interferências
do presidente Jair Bolsonaro em órgãos como a Polícia Federal, Conselho
de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e Procuradoria-Geral da
República fizeram movimentos e personalidades que apoiaram
sua eleição e foram às ruas em defesa do combate à corrupção, como MBL e
Vem Pra Rua, a se afastarem do governo.
Estes movimentos e
personalidades acusam Bolsonaro de abandonar a agenda anticorrupção para
proteger seu filho mais velho, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ),
investigado pelo Ministério Público do Rio em função de movimentações
financeiras atípicas de seu ex-assessor, Fabrício Queiroz.
“Nitidamente
ele (Bolsonaro) está abandonando o discurso de campanha para utilizar
uma prática nova e isso tem a ver com o Flávio”, disse Renan Santos, da
coordenação do MBL.
O caso Queiroz voltou a incomodar o governo
depois da revelação de que o ex-assessor do senador mandou uma mensagem
na qual demite do gabinete de Flávio, então deputado estadual na
Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), a ex-esposa de Adriano da
Nóbrega, ex-PM acusado de chefiar uma milícia.
As investigações
sobre o suposto esquema de rachadinha no gabinete de Flávio na Alerj
estão paradas desde 16 de julho, por decisão do ministro Dias Toffoli,
do Supremo Tribunal Federal (STF). A decisão aumentou a desconfiança dos
movimentos. Bolsonaro a fez crescer ainda mais ao mudar a direção do
Coaf, órgão responsável por identificar as transações suspeitas de
Queiroz, e ao mandar trocar o superintendente da PF no Rio. Agora, a
insatisfação é pela escolha de um nome de fora da lista tríplice
elaborada pelos procuradores para o comando o Ministério Público Federal
(MPF).
Essa sequência de fatos levou figuras centrais na defesa
da Lava Jato a abandonar Bolsonaro e acusar o presidente de agir em
defesa dó filho mais velho. “(Bolsonaro tem) a pior postura possível. A
simples concordância com a absurda decisão do presidente do STF já
demonstra a incapacidade de compreender a posição que ocupa. Agrava
ainda seu desejo em interferir na PF do Rio, indicador de que pretende
subordinar o interesse público ao seu interesse particular,
compreensível, mas irrelevante, de proteger o filho”, disse o procurador
aposentado Carlos Fernando dos Santos Lima, que integrou a Lava Jato.
Vem.
Movimentos como MBL e o Vem Pra Rua, que surgiram durante as
manifestações pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, hoje
fazem críticas ao presidente. Para o Vem Pra Rua, o combate à corrupção
vive hoje um momento mais ameaçador até do que durante os governos do
PT. Segundo Adelaide Oliveira, porta-voz do movimento, não é possível
vincular as interferências de Bolsonaro à defesa de Flávio, mas o
comportamento do presidente diante das suspeitas sobre o filho é
“impróprio”.
“Se fosse qualquer pai em qualquer cidade do Brasil a
gente poderia dizer que pai é pai. Acontece que este pai tem poder”,
disse ela. Estas críticas ao comportamento do presidente em relação ao
filho têm sido mal recebidas pela parcela mais radical do bolsonarismo.
No dia 25, o humorista Marcelo Madureira precisou sair escoltado de um
ato na praia de Copacabana depois de criticar o presidente.
“Os
fatos das últimas semanas parecem claros. São várias atitudes onde você
percebe que houve uma espécie de acordo para blindar o Flávio”, disse o
humorista. Segundo ele, por enquanto a “maioria silenciosa” está se
manifestando nas pesquisas de opinião que mostram mês a mês a corrosão
do apoio ao presidente. “Mas elas foram para a rua e podem voltar”, diz.
O
coordenador da força-tarefa da Lava Jato, o procurador Deltan
Dallagnol, afirmou que “com certeza” a fase atual é a de pior de ataques
à operação. “Identifico um enfraquecimento no combate à corrupção vindo
de vários pontos”, afirmou.
O entorno do presidente já percebeu
que parte do eleitorado bolsonarista está descontente com as
interferências nos órgãos de combate à corrupção, e Bolsonaro tenta
reagir. Posou para fotos sorridente ao lado do ministro da Justiça,
Sergio Moro, e vetou parcialmente o projeto de lei aprovado pela Câmara
sobre o crime de Abuso de Autoridade. A medida agradou parte de sua
base, mas foi considerada insuficiente por outra parte, que esperava o
veto total.
Na quinta-feira, Bolsonaro admitiu ter desagradado o
eleitorado ao falar com populares. “Estou recebendo muita crítica de
gente que votou em mim. Se não acredita em mim, e continua fazendo esse
trabalho de não acreditar, eu caio mais cedo, e mais cedo o PT volta”,
disse.
“O governo está se afastando do que foi uma linha
extremamente importante na campanha, o combate à corrupção”, disse o
cientista político José Álvaro Moisés, da USP. Para o também cientista
político Marco Aurélio Nogueira, da Unesp, a situação pode piorar se
Moro deixar o governo. “O cenário para mim é muito claro. O próximo peão
a rodar é o Moro. Se ele sair, leva junto o lavajatismo.”
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