EL PAÍS
Sergio Moro teve poucos momentos de desconforto durante a audiência na
Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) na última
quarta-feira. Por quase nove horas, Moro respondeu a alguns
questionamentos, concordou com afirmações e agradeceu a outros tantos
elogios realizados por parlamentares aliados. Também fugiu com
facilidade de seus oponentes mais inflamados. Foram poucas as vezes em
que o ex-juiz da Operação Lava Jato
foi, de fato, confrontado. Uma delas, foi quando o senador capixaba
Fabiano Contarato (Rede-ES) questionou se Moro havia ferido o princípio
da isonomia, ao manter, na condição de juiz, conversas e até fazer
orientações a procuradores, conforme publicado pelo The Intercept e agora também pela Folha
—os implicados dizem que não respondem pelas mensagens porque dizem que
elas podem ser sido adulteradas. Pressionar o ministro a responder teve
seu preço: o senador está sendo acusado nas redes sociais de ser contra
a Lava Jato. Mais, em algumas leituras, ele é apontado como contrário
ao combate da corrupção.
Professor de direito, advogado e delegado por mais de 20 anos, o
senador capixaba se muniu de argumentos também repetidos por
especialistas e por parte do mundo jurídico para embasar seus
questionamentos ao ministro da Justiça. "Eu questionei se Moro feriu o
princípio da isonomia. Não entro no mérito do conteúdo, mas estou
falando de um um juiz que tem como premissa ser imparcial, que tem que
manter distância e um tratamento isonômico”, disse o senador, por
telefone, ao EL PAÍS. “Agora, estão querendo, como uma forma de blindar o
comportamento ético do juiz, jogar para a opinião pública a ideia de
que quem faz qualquer crítica ao juiz é contra a Lava Jato”.
A
guerra de narrativas no embate, que condensa boa parte dos grande
dilemas da crise provocada pelos vazamentos, foi iniciada pelo próprio
ministro da Justiça ao responder ao senador, ainda que a primeira frase
que Contarato tenha dito na CCJ tenha sido em defesa da Operação Lava
Jato. “Não se trata de uma discussão de se é contra e a favor da Lava
Jato. Sabemos da importância dessa operação que foi um divisor de águas no Brasil”,
afirmou, no Senado. Feita a ressalva, Contarato partiu para suas
críticas com argumentos jurídicos. “A declaração universal dos direitos
humanos no artigo 10 é clara: [diz] que todo ser humano tem direito a
ser julgado por um tribunal independente e imparcial”, afirmou. “O
código do processo penal também. Ele fala no artigo 254: o juiz dar-se-á
por suspeito se for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer das
partes. Inciso quarto se tiver aconselhado qualquer uma das partes”,
seguiu o senador, para, em seguida, mencionar também o código de ética
do direito.
Moro
respondeu tratando de levar as acusações contra ele às últimas
consequências e vinculando seu destino ao de toda Lava Jato: se seu
comportamento havia sido viciado, então a resposta era anular toda a
operação? Devolver até o dinheiro dos que confessadamente roubaram a
Petrobras? “Pelo que entendi da sua fala, o senhor defende a anulação de
tudo então. Todas as condenações, todas as denúncias, devolver o
dinheiro para [os ex-diretores da Petrobras] Renato Duque, Paulo Roberto
Costa… Eu entendi dessa forma”, disse o ministro.
A estratégia de
Sergio Moro, posteriormente utilizada por internautas nas redes sociais
para atacar quem questionou o ministro, foi rebatida na sequência por
Contarato. “Com todo o respeito, vossa excelência está colocando
palavras na minha boca. Em nenhum momento defendo a anulação. O que eu
estou questionando é que houve a quebra do princípio a imparcialidade”.
Visivelmente incomodado, Moro curvou os ombros para dentro, ficou de
lado na cadeira e recuou: “Não sei se compreendi de maneira equivocada
suas palavras, mas não houve nenhuma quebra [do princípio da
imparcialidade]. É comum a conversa entre juízes, procuradores,
policiais e advogados”. O ex-juiz da Lava Jato menciona então textos
publicados pela imprensa feitos por outros juristas que defendem como
normal esse comportamento. Uma parte do Ministério Público se mostra também pronto a defendê-lo,
dizendo que é natural que o juiz de instrução (o que dá as autorizações
de cada etapa a investigação, como por exemplo, quebra de sigilo ou
operações policiais) tenham contato com os procuradores —ainda que não
para dar conselhos ou discutir politicamente o caso.
Ao EL PAÍS,
Contarato rejeita a ideia de que haja no meio jurídico essa dualidade.
“Se eu te perguntar o que é motivo fútil, para você pode ser uma coisa,
para mim, outra”, diz. “Mas a suspeição, o contato direto via telefone
ou aplicativo, mantendo contato com o titular da ação penal, sugerindo
que os procuradores têm que se preparar, indicando testemunhas? Quem não
concordar que houve quebra do princípio da imparcialidade, com todo
respeito, tem desconhecimento do Código Penal”. De acordo com ele, o
juiz deve estar acessível às diferentes partes do processo de igual
modo. “E isso não foi feito. Isso não é dúbio, não é controverso, não
tem dúvida”.
Ofensas e dilema no STF sobre a Lava Jato
Eleito
com mais de 1 milhão de votos pelo Espírito Santo, Contarato está sem
seu primeiro mandato. O senador desbancou o favorito nas pesquisas, o pastor bolsonarista Magno Malta (PR-ES), contrário à união homoafetiva e à criminalização da homofobia.
Contarato é o primeiro senador assumidamente gay do Brasil. E ele diz
que inclusive sua orientação sexual virou alvo de ataques após a
audiência desta semana na CCJ. “Estou sendo ofendido moralmente, tanto
no aspecto da minha orientação sexual, quanto das pessoas falando que eu
sou contra a Lava Jato, contra o país”.
Por isso, durante a
entrevista, o senador reafirmou ser a favor da Lava Jato. “Eu sou a
favor da operação, não tenho dúvidas disso. O que eu questiono é se
houve quebra do princípio da imparcialidade. Onde fica a imparcialidade
disso?”, afirmou. “Temos dois fatos graves: a quebra da invasão de
privacidade [do ex-juiz e dos procuradores], que tem que ser apurada,
mas não podemos ignorar que houve também a quebra do princípio da
isonomia”.
Para ele, os ataques que vem sofrendo são uma maneira
de blindar Moro dos questionamentos enquanto juiz da operação. "Ele está
utilizando a população como escudo para justificar todas as violações,
desde da Declaração Universal dos Direitos Humanos, passando pelo Código
de Ética e pelo Código Penal".
O agora ministro da Justiça dá
sinais de que buscará ganhar tempo antes de novos embates como com o
senador capixaba. Moro pediu para adiar a audiência que a que prometeu
comparecer na Câmara dos Deputados, na próxima quarta-feira.
Para
além do confronto com o senador, a pergunta de Moro sobre o que será da
Lava Jato se ele for punido seguirá como a tônica da semana e, talvez,
dos próximos meses, especialmente no STF. Como no duelo com Contarato, o
ex-juiz parece querer se proteger citando os riscos de um princípio
jurídico que ele cita nas gravações publicadas, o Fiat iustitia, et perat mundus:
faça-se se Justiça, ainda que o mundo se acabe. Ou seja, quer
argumentar que não vale a pena puni-lo se for para arriscar boa parte do
legado da Lava Jato. O debate ganha contornos éticos fortes: para
muitos analistas não puni-lo legitima combater a corrupção mesmo com
desvios da lei, com consequências graves para o sistema político e
jurídico. Há ainda uma terceira via que aventa ser possível anular
eventualmente só os processos citados nos vazamentos, se for considerado
que Moro agiu de forma ilegal. Seja como for, os números falam por si.
Só o ex-juiz de Curitiba foi responsável pela condenação de mais de 140
pessoas, entre eles, seu réu mais célebre, o ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva, e qualquer anulação poderia gerar um efeito cascata.
O
Supremo Tribunal Federal pode começar a responder tanto a Moro como
a Contarato na terça-feira, 25 de junho, para quando está prevista que
sua segunda turma julgue um pedido de habeas corpus de Lula. O principal
objetivo da defesa é convencer este colegiado da corte que o então juiz
da Lava Jato foi parcial, e já anexou aos autos as revelações do The Intercept. A acusação vai sustentar, como Moro, que as mensagens não são provas idôneas.
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