Rodrigo Maia
sobe à tribuna, mira o plenário da Câmara e pede para que alguns
deputados abram um espaço para que ele possa ser visto por todos e,
principalmente, pelas câmeras. Ajeita a gravata, checa se o paletó está
alinhado e dispara um equivocado cumprimento de “boa tarde” aos senhores
e senhoras deputados. Já passava das 20h. Ele sorri e diz um correto
“boa noite”. Um inusual silêncio toma conta do plenário. Nem do lado dos
partidos de centro e de direita nem dos de esquerda ouve-se qualquer
protesto. É raro um presidente da Casa ocupar a tribuna para fazer
discursos. Mais incomum ainda é um deputado receber tanta atenção de
seus nobres pares.
O discurso feito por Maia na noite desta quarta-feira era para saudar a reforma da Previdência
que estava em vias de ser aprovada pelo acachapante e surpreendente
placar de 379 a 131. Foi uma reforma mais com a cara da Câmara, e do
deputado pelo Rio de Janeiro, do que com a do presidente Jair Bolsonaro
(PSL), apesar de ter sido enviada pelo Executivo. O próprio Bolsonaro
reconheceu e, em seu Twitter, agradeceu o empenho do parlamentar.
O
tamanho da força de Maia foi notado nos discursos de quem lhe
antecedeu. Vários parlamentares o elogiavam. O líder do PSL, Delegado
Waldir, o chamou de “grande condutor dessa reforma”. “Sem essa pessoa,
com certeza, não teríamos chegado a esse momento tão importante”.
Raramente ouvia-se o nome de Bolsonaro. Outro indicativo a favor dele: a
atual reforma teve mais votos do que a promovida em 2003 pelo popular Luiz Inácio Lula da Silva (PT),
que tinha uma considerável base de apoio na Câmara dos Deputados e
obteve 358 votos. A aprovação de propostas de emendas constitucionais,
como essas, depende de 308 votos dos 513 deputados – três quintos ou 60%
da Casa. No caso da PEC 06/2019, a votada nesta quarta-feira em seu
primeiro turno, houve um apoiamento de 74% dos parlamentares.
No
caso do atual Governo, o que mais chama a atenção é a ausência de
qualquer base parlamentar por não concordar com o presidencialismo de
coalizão que imperava no país desde a redemocratização, no fim dos anos
1980. Na política, os vácuos são ocupados. Experiente, em seu sexto
mandato, Maia assumiu esse protagonismo. Em seus 14 minutos de discurso,
destacou a proeminência da Câmara e sinalizou que, dificilmente, ela
passará a ter um papel secundário, ao menos não neste Governo.
“Sem
nenhum interesse em tirar prerrogativa do presidente da República, mas
durante, 30 anos, tiraram as prerrogativas dessa Casa, diminuíram essa
Casa e o nosso papel é recuperar a força da Câmara e do Congresso
Nacional”, afirmou.
Maia ainda mandou recados diretos a Bolsonaro e
aos seguidores. “Não haverá investimento privado, com reforma
tributária e reforma previdenciária, se nós não tivermos uma democracia
forte. Investidor de longo prazo não investe em país que ataca as
instituições”. Em diversas ocasiões, apoiadores do presidente da
República, estimulados por ele próprio, acabaram se excedendo nas
críticas ao Parlamento e ao Judiciário. Nas redes sociais e nos
protestos a favor do Governo é normal encontrar quem defenda o
fechamento do Congresso ou do Supremo Tribunal Federal. Nesse sentido,
Maia dirigiu uma fala direta ao chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, a
quem chamou de "amigo". “Onyx, nós vamos precisar construir daqui pra
frente uma relação diferente, onde o diálogo e o respeito prevaleçam em
relação a qualquer tipo de ataque”.
Em sua fala, também elogiou a oposição e os partidos de centro
direita que compõem o bloco do Centrão. “O Centrão, essa coisa que
ninguém sabe o que é, mas é do mal. É o centrão que está fazendo a
reforma”
Sobre a reforma, especificamente, o presidente ressaltou
que o texto aprovado em primeiro turno não é consensual, mas conseguiu
abarcar boa parte dos interesses representados pelos deputados. “Não
construímos um texto dos sonhos de cada um de nós”. Para chegar ao
resultado desta noite não bastaram as negociações que Maia se empenhou
nos últimos cinco meses. Ele contou com deserções em legendas opositoras
de esquerda, como o PSB e PDT que entregaram 19 entre 59 possíveis
votos, e com a liberação de 1 bilhão de reais em emendas parlamentares
nesta semana. Ou seja, uniu uma prática da velha política, a de agradar os congressistas com recursos para suas bases eleitorais, com a habilidade do articulador Maia.
Apesar de você
Em diversas ocasiões o deputado dizia a aliados
que a reforma seria aprovada “apesar do Governo”. Bolsonaro e seu
ministro da Economia, Paulo Guedes, se ausentaram das negociações.
Diziam que a “bola” estava agora com o Congresso. E assim, a deixaram
rolar. Uma das poucas sinalizações que o presidente fez foi a favor da
aposentadoria especial dos policiais, que podem ter uma emenda votada
nos próximos dias.
Na Comissão Especial da Reforma da Previdência,
o texto enviado pelo Governo foi praticamente todo alterado. Saíram as
alterações que envolviam benefício de prestação continuada,
trabalhadores rurais e a criação da capitalização, pontos considerados
essenciais por Guedes. A espinha dorsal do texto acabou ficando na
criação de uma idade mínima de aposentadoria para mulheres de 62 anos e
para homens de 65, com um prazo de pelo menos 15 e 20 anos de
contribuição, respectivamente. Além disso, criou quatro faixas de
contribuição conforme o rendimento mensal de cada beneficiário. As
costuras feitas pelo relator Samuel Moreira (PSDB-SP) com Maia
resultaram no texto aprovado em primeiro turno.
Entre quinta e
sexta-feira, os deputados ainda votarão ao menos dez emendas que podem
alterar o texto. As duas mais importantes e com maiores chances de
aprovação tratam da ampliação da aposentadoria especial para agentes
civis de segurança pública (como policiais federais, agentes
penitenciários e policiais rodoviários) e outra que altera o cálculo de
aposentadoria para mulheres. Também está prevista a votação do segundo
turno da proposta. Após o trâmite da reforma previdenciária, Maia já
sinalizou que dará andamento a outra pauta econômica, a reforma
tributária. Nesta semana, ele instalou uma comissão especial para
debater o assunto. Estimulado pelo mercado financeiro, o deputado já
passou em seu primeiro teste de fogo.
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