BRASÍLIA – Por 8 a 3, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quinta-feira, 13, enquadrar a homofobia e a transfobia como racismo.
Dessa forma, os ministros do Supremo entenderam que a legislação sobre
racismo, em vigor desde 1989 no País, também deve ser aplicada para quem
praticar condutas discriminatórias homofóbicas e transfóbicas, sejam
elas disparadas contra a homossexuais, transexuais ou contra
heterossexuais que eventualmente sejam identificados pelo agressor como
LGBTs (lésbicas, gays, bissexuais e transexuais).
O tribunal também fez ressalvas, no sentido de deixar claro que a
repressão contra essas condutas não restringe o exercício de liberdade
religiosa. Ou seja: fiéis, pastores e líderes religiosos têm assegurado o
direito de pregar suas convicções, desde que essas manifestações não se
convertam em discursos de ódio, incitando hostilidade ou a violência
contra a comunidade LGBT.
Por exemplo: um pastor pode dizer que a homossexualidade é pecado, mas
se defender a violência contra homossexuais essa conduta pode agora ser
enquadrada como crime de racismo.
A legislação sobre racismo prevê penas de um a até cinco anos de
reclusão para quem negar emprego, ou impedir acesso ou recusar
atendimento em hotel, restaurantes, bares, estabelecimentos comerciais
ou impedir o casamento ou convivência familiar e social para pessoas por
conta de raça ou cor.
A decisão do STF, considerada histórica por
integrantes da Corte, servirá de baliza para orientar decisões
judiciais nas diversas instâncias do País. Ao todo, o tribunal dedicou
seis sessões plenárias para discutir o tema, no julgamento mais longo
ocorrido até aqui durante a presidência do ministro Dias Toffoli, que assumiu o comando do tribunal em setembro do ano passado.
Ellwanger
Relator de uma das ações sobre a criminalização da homofobia, o ministro Celso de Mello
utilizou um precedente de um caso julgado pelo próprio STF, em 2003. Na
ocasião, o Supremo manteve a condenação do editor Siegfried Ellwanger
por crime de racismo devido à publicação de livros que discriminavam
judeus. Tanto naquela época, quanto agora, o tribunal avaliou que o
racismo é um conceito amplo, de dimensão social, que não se limita a
questões de cor ou raça.
“O conceito de racismo, compreendido em
sua dimensão social, projeta-se para além de aspectos estritamente
biológicos ou fenotípicos, pois resulta, enquanto manifestação de poder,
de uma construção de índole histórico-cultural motivada pelo objetivo
de justificar a desigualdade e destinada ao controle ideológico, à
dominação política, à subjugação social e à negação da alteridade, da
dignidade e da humanidade daqueles que, por integrarem grupo vulnerável
(LGBTI+), são considerados estranhos e diferentes”, disse Celso de
Mello.
Procurado pela reportagem, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia
(DEM-RJ), criticou a postura do Supremo de enquadrar a homofobia como
racismo por conta própria, sem uma lei sobre o tema. “A Câmara aprovou a
criminalização da homofobia no final de 2006 e o Senado arquivou. Mesmo
que o Congresso não tivesse legislado, na minha opinião, não caberia ao
Supremo Tribunal Federal criar tipo penal via interpretação”, afirmou
Maia, em nota enviada pela assessoria.
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), não havia se manifestado até a publicação deste texto.
Entenda:
Quem moveu as ações?
São
duas ações. Uma foi movida pelo Partido Popular Socialista (PPS) e a
outra, pela Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais,
Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT).
O que querem o partido e a entidade?
Os
proponentes das ações pedem que o Supremo declare o Congresso Nacional
omisso por não ter votado até hoje um projeto de lei que criminaliza a
homofobia. É solicitado ainda que a Corte dê um prazo final para que os
parlamentares aprovem uma legislação criminal para punir especificamente
violência física, discursos de ódio e homicídios por causa da
orientação sexual ou identidade de gênero da vítima.
Homofobia não é crime no Brasil?
Não.
Quando há uma ocorrência envolvendo agressão contra homossexuais, o
caso é tratado como lesão corporal, ofensa moral (injúria, calúnia ou
difamação) ou tentativa de homicídio. As ações pedem que o STF reconheça
o conceito de "raça social" para punir agressores dentro da lei
antirracismo (7.716/89).
O que diz a lei antirracismo?
A
lei antirracismo, de 1989, prevê que crimes resultantes de
discriminação ou preconceito de raça, cor, religião, etnia ou
procedência nacional sejam punidos com um a cinco anos de prisão. Também
estão previstas penas alternativas, fora do sistema penal.
Qual é a relação entre homofobia e racismo?
Segundo
Paulo Iotti, advogado e proponente das ações, há um entendimento do
próprio Supremo de que racismo é qualquer ideologia que inferiorize um
grupo social em relação a outro. A homofobia seria considerada,
portanto, um tipo de racismo sob os aspectos políticos e sociais de
raça, e não biológico. O crime de discriminação por raça, previsto na
lei antirracismo, iria abranger tamém os de orientação sexual e
identidade de gênero.
O que muda na legislação?
Não
haverá alteração no texto da legislação penal brasileira. O efeito é
vinculante, ou seja, a Corte entende que há uma lacuna na Constituição
no que diz respeito às vítimas de homofobia. Reconhecendo essa omissão
no julgamento desta semana, na prática, o entendimento do Supremo passa a
nortear as decisões de magistrados de todo o País, que passarão a
interpretar homofobia como crime de discriminação por raça.
Os homofóbicos vão ser presos?
As
mesmas penalidades da lei antirracismo devem ser aplicadas para
homofobia e transfobia. Portanto, agressor pode ser preso com pena de
reclusão de um a cinco anos, mas também poderá cumprir a pena com multa
ou prestação de serviço à comunidade. O argumento dos proponentes da
ação é de que, como a lei prevê cumprimento da penalidade alternativa, o
sistema carcerário não seria sobrecarregado.
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